segunda-feira, 8 de março de 2021

Politicamente só existe o que o povo sabe que existe.

Casa Comum, 29 de Dezembro de 1933 

 Prezada amiga 

 Li com muita atenção a sua última missiva e realmente surpreendeu-me o seu interesse mais aprofundado pelas coisas da política, mas realmente os tempos que correm deixam-nos de tal forma apreensivos com o futuro, que não podemos passar ao lado, como se não fosse nada connosco. 

 Veja bem como as coisas estão na Alemanha, desde que o ditador do bigodinho, o nazi Hitler assumiu o poder, (está quase a fazer um ano no próximo dia 30 de Janeiro), especialmente no que aos judeus diz respeito, tem vindo sempre em crescendo, primeiro o boicote contra os comerciantes, depois a decisão, que os cargos de funcionários públicos passassem a ser exclusivos dos arianos. 

Que ele definiu como a raça de eleição, altos e louros, a raça perfeita e os outros que o não sejam, tal como ele no grande grupo dos normais. Começando a esboçar a ideia, da existência dum sub-raça, os judeus, que pelos vistos para ele, valem menos que os seus cães.

 Há dias o bardino, anunciou ao mundo uma nova aberração a esterilização em massa dos portadores de deficiências físicas e mentais para evitar defeitos hereditários, na busca da raça pura. 

Pelos vistos o pequeno nazi, julga-se Deus. 

 Admirou-me, entretanto que Pio XI tenha assinado uma Concordata com os nazis, muito embora sendo o representante do governo alemão nas negociações, o Ministro Franz von Papen, católico, que declarou aos jornalistas que as relações entre o Vaticano e o Reich eram tão amigas que em oito dias apenas a Concordata fora acertada até em seus mínimos pormenores. Por conseguinte, em Julho de 1933 foi assinado um Acordo que assegurava que certas atividades da Igreja Católica no plano educacional, no da juventude e no de Encontros e Congressos ficavam garantidas por lei do Reich. 

 O nosso ditador continua a organizar tudo de acordo com as "normas ", criando um "Pacote Corporativo", envolvendo tudo o que no seu conceito, faria falta è "felicidade do povo!, o Estatuto do Trabalho Nacional, a criação de grémios para os patrões, os sindicatos nacionais e as casas do povo, para os trabalhadores. 

Tudo organizado a bem da Nação e da sua própria vontade. . Para evitar maçadas desnecessárias aos trabalhadores, foi proibido o direito à greve e naturalmente ordenada a dissolução de todos os sindicatos livres se até ao dia 31 Dezembro não tiverem transformado os estatutos, de acordo com a "norma" e a autorização acessória do Subsecretário de Estado das Corporações. 

 Curiosa e inesperada cambalhota do Rolão Preto, o fundador nazi do nacional-sindicalismo, Movimento de tipo fascista, conhecido pelos camisas azuis, o Nacional-Sindicalismo foi uma organização que conseguiu algum apoio nas universidades e na oficialidade mais jovem do Exército português. 

 Devido a incidentes nas comemorações de 1933 do 28 de Maio em Braga, onde houve confrontos entre os nacional-sindicalistas e a polícia, ao discurso de Rolão Preto de 16 de Junho, numa sessão no São Carlos, claramente anti-salazarista, o jornal Revolução acabou por ser suspenso em 24 de Julho. Restabelecido fugazmente em Setembro seguinte - saíram só três números - o Nacional-Sindicalismo dividiu-se em Novembro quando um grupo, o mais numeroso liderado por Supico Pinto e José Cabral, decidiu apoiar Salazar e integrar-se na União Nacional, abandonando assim as ideias de independência, perante o novo regime defendidas por Rolão Preto e Alberto Monsaraz.

 Francamente não esperava esta reviravolta de  Rolão Preto, e confesso não fazer ideia como irá acabar. 

Aliás não precisamos de saber nada, pois como diz o chefe Salazar politicamente só existe, o que o público sabe que existe.




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